Aptidão Física na Vida Diária

Dr. José Maria Santarem

O aprimoramento das qualidades de aptidão física tem evidente importância quando existe o objetivo de realizar grandes esforços, como no caso da prática esportiva. No entanto, os esforços da vida diária exigem aptidão em níveis adequados para que as atividades sejam possíveis e não representem fatores de desconforto ou risco de lesões músculo-esqueléticas e acidentes cardiovasculares. Neste sentido é importante o conhecimento dos efeitos das diversas qualidades de aptidão nas atividades diárias comuns, para que intervenções com exercícios sejam eficientes. Pessoas idosas costumam apresentar perda progressiva da aptidão geral, como conseqüência do sedentarismo prolongado. Paralelamente, processos patológicos podem limitar a capacidade de realizar exercícios, justificando que as intervenções com atividade física sejam criteriosas e objetivas.

O sedentarismo ou a hipocinesia induzida por doenças levam a uma redução gradativa e às vezes acentuada das qualidades de aptidão física, podendo comprometer seriamente a capacidade de realizar atividades diárias, dificultando a locomoção, aumentando os riscos de quedas e criando situações de risco cardiovascular nos esforços habituais. As qualidades de aptidão física que mais comprometem a qualidade de vida quando reduzidas são força e flexibilidade.

Com relação à flexibilidade, a sua redução pode dificultar a realização de movimentos ou até mesmo impedi-los (40). No entanto, mesmo na presença de processos degenerativos ou inflamatórios crônicos das articulações, é possível promover ganhos de flexibilidade. Aspecto relevante é que os exercícios habitualmente utilizados para induzir melhorias na força muscular, também promovem ganhos de amplitude articular, até os limites permitidos pelas alterações patológicas.

Ainda do ponto de vista biomecânico, a força muscular também é fundamental para a realização dos movimentos (40). Tomando como exemplo a ação de levantar de uma cadeira, sabe-se que uma pessoa jovem utiliza em média 50% da força do músculo quadríceps para levantar lentamente, e cerca de 70% da força disponível para levantar rápido; uma pessoa de 80 anos, sedentária, utiliza em média 90% da força do quadríceps para levantar lentamente, e seria necessário 120% da força disponível para levantar rápido. Portanto, a realização dos movimentos necessários para a vida diária depende de graus relativamente elevados de força muscular. Particularmente o trabalho braçal, profissional ou doméstico, é muito dependente da força e da resistência dos músculos esqueléticos. Os exercícios mais utilizados para aumento da força dos músculos também são os mais eficientes para promover a chamada “RML” (Resistência Muscular Localizada), permitindo prolongar as atividades intensas.

A capacidade de manter o equilíbrio do corpo é importante para diminuir o risco de quedas (40). A redução da força muscular parece ser o principal responsável pelo aumento da incidência de quedas em pessoas idosas, tendo importância secundária a redução dos reflexos posturais. Mesmo com reflexos presentes, a queda pode ser inevitável se os efetores finais que são os músculos esqueléticos estiverem fracos.

A capacidade de locomoção pode ser seriamente afetada pela redução da força muscular (40). Para a que a marcha seja possível, confortável e segura, a força é a aptidão mais importante. A capacidade de manutenção da postura, do equilíbrio e de aceleração para os passos dependem diretamente da força muscular. Resistência para caminhar significa poder prolongar a marcha confortavelmente. Esta condição depende da capacidade aeróbia, medida pelo limiar anaeróbio e muito estimulada pelo aumento da força muscular. Como já vimos, o limiar anaeróbio é a intensidade de esforço acima da qual a produção energética não pode ser mantida apenas pela via metabólica aeróbia. Sempre que as fibras musculares individualmente apresentam discretos graus de força, a tensão necessária para o movimento é conseguida com o recrutamento de maior número de fibras. Pessoas fortes caminham com ativação de poucas unidades motoras, enquanto que pessoas fracas utilizam muitas fibras para a marcha. Visto que quando mais do que 30 a 40% das fibras musculares são ativadas a produção energética não pode ser realizada exclusivamente pela via metabólica aeróbia, nestas situações ocorre produção de ácido láctico e conseqüente aumento de lactato no sangue. Muitos idosos debilitados caminham anaerobiamente, com desconforto e fadiga precoce. O quadro clínico é o de claudicação intermitente, com o repouso permitindo continuar a marcha por mais alguns passos. Pessoas debilitadas tem limiar anaeróbio baixo porque pequenas intensidades de esforço já solicitam mais de 40% das fibras musculares. O aumento da força muscular aumenta o limiar anaeróbio e a capacidade aeróbia, o que aumenta a resistência para esforços em geral (59).

Aspecto ainda pouco divulgado é que a força muscular também é importante para diminuir o risco de acidentes cardiovasculares nos esforços da vida diária. Isto ocorre porque as pessoas mais fortes realizam as atividades com menor número de fibras musculares, comparativamente com pessoas mais debilitadas. A utilização de menor número de unidades motoras ativa menos os ergoceptores musculares, que são terminações nervosas livres dispersas entre as fibras (66). A ativação dos ergoceptores desencadeia por mecanismos reflexos o aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial, além do aumento da freqüência respiratória. Assim sendo, pessoas mais fortes realizam tarefas com menores alterações hemodinâmicas do que pessoas debilitadas, apresentando nos esforços menores valores de duplo-produto (Freqüência Cardíaca x Pressão Arterial Sistólica). Assim sendo, as pessoas com músculos mais fortes realizam esforços com menores riscos cardiovasculares e com maior conforto respiratório (61, 78).

Todas as pessoas perdem massa muscular e força após a maturidade. A perda de massa muscular ocorre basicamente devido a processo degenerativo do sistema nervoso, que leva ao desaparecimento de motoneurônios no corno anterior da medula espinal. Dessa maneira, algumas fibras brancas entram em processo de atrofia total. Com muita freqüência, associa-se a esse processo involutivo a hipotrofia de desuso, que não acomete apenas as pessoas sedentárias. As atividades físicas que não impõem aos músculos esqueléticos situações de tensão mais elevada, como por exemplo as atividades aeróbias, não impedem a hipotrofia de desuso no envelhecimento (51). Idosos que envelheceram praticando corrida e natação apresentaram parâmetros de saúde e aptidão superiores aos que envelheceram sedentários, mas a massa muscular decaiu nos mesmos níveis. No entanto, idosos treinados com exercícios de força preservaram massa muscular. A diminuição da velocidade dos movimentos apresenta paralelismo com a redução de massa muscular: idosos treinados em exercícios de força preservaram também a velocidade dos movimentos. Sem treinamento adequado, são esperadas reduções de massa muscular em torno de 10% dos 25 aos 50 anos, e de 30% dos 50 aos 80 anos. Por outro lado, já está documentado que os exercícios de força em mulheres idosas pode aumentar em até 10% a massa muscular e em até 200% a força, em poucos meses de treinamento.

1. GURALNIK J.M., FERRUCI L., SIMONSICK E.M. et al. Lower-extremity function in persons over the age of 70 years as a predictor of subsequent disability. N Engl J Med 1995, 332: 556-61.

2. KLITGAARD H., MANTONI M., SCHIAFFINO S.. Function, morphology and protein expression of ageing skeletal muscle: a cross-sectional study of elderly men with different training backgrounds. Acta Physiol Scand 1990 ,140:41-54.

3. MARCINIK E.J., POTTS J., SCHLABACH G. et al. Effects of strength training on lactate threshold and endurance performance. Med Sci Sports Exerc, 1991, 23(6): 739-743.

4. McCARTNEY N., McKELVIE R.S., MARTIN J. et al. Weight-training-induced attenuation of the circulatory response of older males to weight lifting. J Appl Physiol, 1993, 74(3):1056-60.

5. MENSE S., SIMONS D.G. Local pain in muscles. In MENSE S., SIMONS D.G. Muscle Pain: understanding its nature, diagnosis and treatment. Lippincott Williams & Wilkins, 2.001, USA, cap. 2, p. 41-42.

6. SALE D.G., MOROZ D.E., MCKELVIE R.S. et al. Effect of training on the blood pressure response to weight lifting. Can J Appl Physiol, 1994, 19(1): 60-74.

Nenhum comentário:

Postar um comentário